sábado, 29 de novembro de 2008

O legado de minha miséria

Algum lugar deste mundo, 15 de abril de 1979.

Alguém há de lembrar do nosso tempo quando as horas estiverem falhas. Sem nenhuma pretensão de espaço ou idéia do fim, haverá alguém para abrir as gavetas empoeiradas da lembrança. Estarão petrificadas as nossas cenas de vida como fitas de cinema em pausa. Depois os cafés que dividi com todos que assassinei. As suas inseguranças antes de dormir. A insônia misturada ao meu mal secreto e ilegal. As noites curtas em San Marino. A minha juventude francesa e a ignorância da sua juventude atual. A minha prepotência e a sua impaciência, esperando por um acontecimento a mais, esperando por uma mudança radical em sua vida, um tédio que cansou do seu comodismo.
Alguém há de chorar e alagar a miséria que sempre foi fluido que uniu o meu e o seu tempo, até perceber, que, apesar de diferentes, naufragamos no mesmo cais, nos encontramos em um mesmo corpo e nossos objetivos são os mesmos, mesmo quando estamos em estações diferentes.
Nunca pensei em comunicar-lhe isso, mas sou um fruto do acaso.


Veronicka

domingo, 7 de setembro de 2008

A causa das coisas


Um dia desses, a borboleta Morganna estava com um dedinho de prosa com a Jessika louva-deus... daí o dedo de prosa virou mão de poesia e firmaram um compromisso:
- De fino trato com que juramos ao Sol
- De prosaico compromisso que gira poesia
- Que nossa amizade nos pesque como anzol
- Quando faltar sorriso, que nos traga alegria
Mas, de repente, mais que rapidamente, a garça feroz atacou a Jessika louva-deus com um sopro barulhento, quebrando o som da poesia. Aí veio uma nuvem de grafite, aí veio a chuva espantar o sol, aí veio a libélula sem óculos pairando no caminho, aí o bosque ensurdeceu.
Tudo por causa da garça.
A borboleta Morganna, entre um pingo de chuva e outro, abriu suas asas fininhas, e o cinzento da garça foi derrotado pelo colorido da borboleta. Bateu e bateu as asas até que um tufão de alegria explodiu do outro lado do mundo...
Aí as nuvens foram embora, aí a floresta voltou a ser verde, aí a libélula achou os óculos, aí a semente da aurora germinou, aí o arco-íris se formou e a Jessika louva-deus apareceu com a asa partida, mas não estava mais ferida:
- Que nossa amizade seja doce e forte como o bater de suas asas.
E o mundo ficou todo colorido. E uma nova corrente se firmou no mundo.
Tudo por causa da borboleta.
"sei que o vento que entortou a flor, passou também pro nosso lar, e foi você quem desviou com golpes de pincel..."

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Todo e qualquer instante

Entre a garra do lobo
Entre a face e o outro
Entre a raiz e a terra
Entre a presa e a fera

Que seja semente

Entre o braço e o abraço
Que entre o beijo roubado
No verso rabiscado
Entre o fogo cruzado

Dentre o tiro e o sangue
O universo e o infinito
Sem qualquer sentido
Em todo e qualquer instante

A faca e o corte
a dor do ferimento
qualquer sentimento
de vida ou morte

Pelos beijos ainda na boca
Pelas palavras ainda na garganta
Pelo gesto ainda no corpo
Pelo pensamento ainda em mente
Pela chuva ainda a cair
Pelos amigos ainda desconhecidos
Pelos meus olhos contidos...

sóbrios navegantes do tempo.

Por qualquer dor que houver
Que eu esteja vivo
Pelo tempo que valeu a pena
ter sofrido
Pelo meu sentimento distante
Por todo e qualquer instante...

Que seja altivo!

p.s.: Juro que não é de minha autoria... juro!



quinta-feira, 31 de julho de 2008

Arremedos.

Quando o tempo é guardado nunca é por inteiro. São pedaços de retalhos costurados que se traduzem em dizeres, escritas, sonhos, gestos e pontinhas de esperança. Esperança como aquele finalzinho do lápis de cor azul que já cabe na palma da mão. São pedaços que por si só são só pedaços. Mas se houver o tal do arremedo formam o tempo das lembranças. Usam-se colas. E delas, podem se formar abismos ou jardins.
É perigoso escrever porque o tempo que foi guardado volta a pairar dentro da gente. E se escreve para guardar o tempo. Assim mesmo, numa confusão absurda de horas, pessoas e palavras. Mesmo que doa. E dói.

domingo, 27 de julho de 2008

Como caixinha de música

Hoje não ouvi a voz do profeta nem da insegurança. Só escutava os passos da bailarina insone que se debruçava sob a música, como um sabiá se entrega ao deleite do vôo mais alto.
Resolvi viajar junto com as lembranças, viver de novo o tempo que a vida parecia vida, que os doces eram de açúcar e que as lendas eram reais.
Eu tentei voltar no tempo, mas num descuido escorreguei nos ponteiros e até agora estou rodopiando sem achar a hora certa. Acho que dessa lembrança não saio mais. Se sair: saudade!
Enquanto tudo é confusão, sinto-me no clímax de uma orquestra sobre os pés da bailarina que dança segura como se estivesse guardada numa caixinha de música.

sábado, 26 de julho de 2008

... O tempo que me guarde

Uma noite dessas um profeta tresloucado falou-me que eu iria morrer se não saísse daqui... Mas, como posso eu sair sem rumo para encontrar não sei o que em não sei aonde? Como posso deixar minha vida para sobreviver?
Não sei se por medo dos sonhos, ou medo de perder o que não tenho, estou agindo para guardar o que não posso. Antes de morta, que eu tente guardar o tempo, ou vice e versa.

Tenho um prazo de 3 meses, se a profecia não se cumpre... o guardador deve estar aberto.