sábado, 29 de novembro de 2008

O legado de minha miséria

Algum lugar deste mundo, 15 de abril de 1979.

Alguém há de lembrar do nosso tempo quando as horas estiverem falhas. Sem nenhuma pretensão de espaço ou idéia do fim, haverá alguém para abrir as gavetas empoeiradas da lembrança. Estarão petrificadas as nossas cenas de vida como fitas de cinema em pausa. Depois os cafés que dividi com todos que assassinei. As suas inseguranças antes de dormir. A insônia misturada ao meu mal secreto e ilegal. As noites curtas em San Marino. A minha juventude francesa e a ignorância da sua juventude atual. A minha prepotência e a sua impaciência, esperando por um acontecimento a mais, esperando por uma mudança radical em sua vida, um tédio que cansou do seu comodismo.
Alguém há de chorar e alagar a miséria que sempre foi fluido que uniu o meu e o seu tempo, até perceber, que, apesar de diferentes, naufragamos no mesmo cais, nos encontramos em um mesmo corpo e nossos objetivos são os mesmos, mesmo quando estamos em estações diferentes.
Nunca pensei em comunicar-lhe isso, mas sou um fruto do acaso.


Veronicka

10 comentários:

Renato disse...

o legado da sua miséria está bem guardado. Alguém há de abrir a gaveta um dia e achar este texto estático, e da cor que ele agora tem.

langriss disse...

há quem diga que a própria existência humana na face da terra é fruto do acaso...

Marina disse...

Cartas... Ela nunca pensou em comunicar isso e o fez através de uma carta. Cartas não olham nos olhos. As palavras saem mais facilmente. Cartas unem pessoas.

Lindo texto. Adoro cartas.
Adorei o layout e a figura do topo. Tudo fala tanta coisa...
Abraço!

Lara Vasconcelos disse...

é sempre bom vir aqui.
Só para constar.

Palavrador disse...

No caos da narrativa, a esquizofrenia desse personagem, nostálgico em sua trajetória tortuosa, perdido no acaso de encontros e desencontros que desrumaram em linhas e palavras....

Belo texto.

Camila disse...

muitoo boom mesmo !

Leonardo disse...

Bom natal e excelente 2009.

beijos

Cecília Braga disse...

ô saudade de acompanhar as saias e tantos filós. Uma belezura de carta.
Luz, amor e muita paz pra tu!
beijo na alma

Bárbara Lemos disse...

Intrigante a carta... fico pensando nessa necessidade de engavetar nossos momentos, para tentar torná-los únicos, públicos, admiráveis, talvez só um desses, talvez todos juntos. Isso tudo é tão humano... acho lindo.

Beijo meu.

anabiaetadeu disse...

Olá,Dei uma olhadinha no seu blog e gostei muito.
Também estou aproveitando para divulgar os meus, se puder dê uma olhadinha. São de receitas, outro de poesias e um pessoal.

http://keplerversos.blogspot.com/
http://keplerbomsabor.blogspot.com/
http://anabiaetadeu.blogspot.com/

atenciosamente, Ana Cláudia